quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Textos

Aqui neste Blog estão postados três textos meus sobre Arte e Educação publicados na Imprensa.
O Blog em que estes e outros textos com a mesma proposta estão é: www.agnic.blogspot.com



Música, Dança e Acessibilidade – Cegos e Surdos.

Neste artigo abordaremos uma questão atual e importantíssima: a Acessibilidade. O que ela vem a ser; sua importância; suas possibilidades de implementação; e correlações com a Música e Dança. Dividiremos em duas temáticas – uma sobre Cegos e outra sobre Surdos; não esquecendo que existem outras temáticas que poderão ser futuramente abordadas.

Cegos:
Um dos componentes que temos para auxiliar o aprendizado em qualquer estudo (ou Arte) é o sistema escrito. Em Música temos a conhecida Partitura, ou seja, um conjunto de linhas e sinais, que possibilita uma “leitura” e interpretação dos sons e silêncios. A isto se dá o nome de Musicografia. Ora, se é um sistema musical escrito (gráfico, de: grafia, escrita), até bem pouco tempo acreditava-se que a linguagem da partitura não poderia ser aplicada em pessoas cegas ou com baixa visão. Isso felizmente mudou, graças a um programa brasileiro de computador que possibilita que as partituras sejam transcritas para o Sistema Braille.
Um pouco de História: Louis Braille perdeu sua visão ainda criança, mas aprimorou e desenvolveu um método de escrita através da combinação de pontos no papel – na forma de relevo – em 1829. Neste ano de 2009 comemora-se então 180 anos da criação e utilização do “Sistema Braille de leitura e escrita para Cegos”. Comemora-se também o Bicentenário de nascimento de Louis Braille (1809).
Sobre o programa brasileiro de computador: o que ele faz, basicamente, é transcrever as partituras que seriam impressas em tinta em partituras impressas em Braille, em relevo; ou seja, tomar um modo de escrita e passá-lo para outro de maneira que mesmo cegos possam fazer uso de leitura; que no caso é tátil, com os dedos. Isso possibilita que os músicos e compositores cegos tenham um grande avanço técnico e interpretativo e que não dependam somente do ouvido para aprenderem música. Aliás, têm-se a errada noção que as pessoas cegas têm o sentido da audição melhor desenvolvido – isso nem sempre corresponde à realidade. Contribui também para a autonomia dos cegos no aprendizado de música pois não dependerão de serem auxiliados por outras pessoas que enxergam as partituras impressas em tinta.

Surdos:
Notadamente toma-se como um fator que contribuiu para a evolução – ao menos tecnicamente – da espécie humana, a questão da linguagem. Especificamente acredita-se que o desenvolvimento também cognitivo, ou seja, de se fazer associações mentais, ocorra através dessa interação social; melhor dizendo, a transmissão de conhecimentos e aprimoramento individual se daria em razão do sistema de comunicação exercido entre os indivíduos. Ainda hoje estuda-se se a comunicação sonora teria papel primordial nisso; e a linguagem oral é a que daria mais possibilidade de desenvolvimento, portanto. Note: isso é sempre estudo e como a Educação e a Ciência estão sempre pesquisando pode-se chegar a outras conclusões e possibilidades de ação, no futuro.
E, Música e Dança? Qual a relação que o surdo tem com elas?
O som, entendido como questão física, é uma vibração. Ora, quando um caminhão pesado – e que, também, mas não necessariamente, seja barulhento –, passa em uma rua, notamos sua presença mesmo que não o ouçamos. Ele produz vibrações no meio em que ele transita, ou seja, sobre o solo e no ar. Essa vibração, ouvida ou sentida, é a mesma – guardadas as proporções – que a música faz. Então, partindo desse princípio, é possível sim o surdo apreciar Música. O surdo sente a vibração em partes de seu corpo e isso tudo tem um ritmo, um balanço; e também tem intensidade, que é o forte e o fraco – para os ouvintes, o volume alto ou o baixo. Parte-se então para outra manifestação artística: a Dança.
Em Dança o surdo consegue acompanhar visualmente dançarinos ouvintes, pois estes são “guiados” pelo som. Mas isso não lhe dá a necessária autonomia – pois o surdo dependeria de ter sempre alguém para imitar. Agora isso está mudando, pois softwares estão sendo criados e utilizados para desenvolverem o senso rítmico de surdos ao possibilitarem a estes que aprendam ritmos de maneira visual independente e mesmo com vibrações de celular. Pode-se, portanto, apresentar Música e Dança para surdos e estes poderão desenvolver-se nestas áreas. Uma das recentes publicações e que faz parte da área, entre outras, desse desenvolvimento tecnológico, é a Tese de Doutorado de Teumaris Regina Buono Luiz, na Unicamp, que resultou em dois softwares (um dos quais disponível para Download com link neste artigo). Esses softwares mostram que é possível que os surdos tenham acesso à Musicalidade e, em extensão, à Dança.

Entra-se agora na temática da Acessibilidade.
A Acessibilidade procura demonstrar e verificar de que forma está sendo realizada a inclusão de pessoas que apresentam alguma característica específica e que são conhecidas como portadoras de deficiência. Muitas pessoas assim chamadas, porém, são muitíssimo mais eficientes que as que não são assim “rotuladas”. Sim, por vezes costuma-se rotular outras pessoas para se sentir um pouco “superior”... – grande erro!
A importância da Acessibilidade e Inclusão se dá em: 1. reconhecimento das diferentes capacidades das pessoas; 2. elevações da auto-estima, da auto-imagem, da auto-eficiência e do auto-respeito; 3. inserção de métodos que aprimoram o Sistema Educacional; 4. integração social de fato; 5. busca da eliminação de alguns pré-conceitos; 6. inserção no mercado de trabalho; 7. inserção e integração em Artes; entre outros fatores.
São pequenas e ao mesmo tempo grandes conquistas para a Humanidade. A inserção social das pessoas que apresentam características específicas é possibilitada pelas descobertas da Educação e da Ciência e, com estas linhas do pensamento humano, espera-se que a busca de melhor comprometimento com aqueles que nasceram ou adquiriram alguma deficiência seja, de fato, concretizada.

Conheça mais, utilize, divulgue:
A seguir, links sobre os temas abordados neste artigo com os programas e também instituições que desenvolvem excelente trabalho de inclusão:

Musicografia Braille:
http://intervox.nce.ufrj.br/musibraille

Softwares desenvolvem senso rítmico de surdos:
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/junho2009/ju432_pag05.php

Grupo de Pesquisas IMAGO – BPM Counter e outros softwares, como Mouse Lupa, Mouse Nose, IMAGOCR, para cegos, surdos e deficientes motores:
http://www.imago.ufpr.br/linuxacessivel.html

Fundação Dorina Nowill para Cegos:
http://www.fundacaodorina.org.br

Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel O. S. Porto” – Cepre / Unicamp:
http://www.fcm.unicamp.br/centros/cepre/index.php

Livros e filmes:
Conheça também o Neurologista Oliver Sacks – que escreveu vários livros (citados a seguir) sobre assuntos relativos a deficiências e sobre como as pessoas as superam, ou lidam com elas:
“Enxaqueca” (Migraine, 1970);
“Tempo de despertar” (Awakenings, 1973) – virou filme;
“Com uma perna só” (A leg to stand on, 1984);
“O homem que confundiu sua mulher com um chapéu” (The man who mistook his wife for a hat, 1985);
“Vendo vozes: Uma viagem ao mundo dos surdos” (Seeing voices: A journey into the land of the deaf, 1989);
“Um antropólogo em Marte” (An Anthropologist on Mars, 1995);
“A ilha dos daltônicos” (The Island of the Colorblind, 1997);
“Tio Tungstênio: Memórias de uma infância química” (Uncle Tungsten: Memories of a chemical boyhood, 2001);
“Oaxaca Journal” (2002);
“Alucinações Musicais (Musicophilia, 2007)”;
também neste vídeo que fala sobre “O incrível efeito da música sobre a gagueira cinética do mal de Parkinson” – mostra a importância da Música no tratamento de Parkinson e faz uma metáfora sobre gagueira e Parkinson (nota – gagueira não é considerada deficiência; é um distúrbio):
http://www.youtube.com/watch?v=yZpjiEMlFxA

E se a pessoa for cega e surda ao mesmo tempo?
Há também maneira de essa pessoa receber atenção e ser inserida no meio social. Existe uma linguagem especial criada que utiliza do toque dos dedos nas mãos para a comunicação. Há o filme “O Milagre de Anne Sullivan”, de Arthur Penn, de 1962, que mostra uma professora quase cega ensinando uma jovem que ficou cega e surda-muda aos seis meses de idade. Filme Baseado no livro autobiográfico "The Story of my Life", de Helen Keller, a jovem.
Há também o Documentário “As Borboletas de Zagosrk”, produzido pela BBC, em 1992 – este, no Youtube (6 partes), que mostra a Educação Especial. É um filme sobre uma escola para deficientes auditivos e visuais em Zagorsk, cidade próxima a Moscou. O filme faz parte de uma série chamada “Os Transformadores” -
Teacher's Story, A - Out of the Wilderness (1992);
Teacher's Story, A - Socrates for Six Year Olds (1992);
Teacher's Story, A - The Butterflies of Zagorsk (1992);
Links de “As Borboletas de Zagorsk” com áudio em Português:

http://www.youtube.com/watch?v=bA_GMtqUGeQ
http://www.youtube.com/watch?v=cTvvzBwhwvs
http://www.youtube.com/watch?v=NfkBsj2w0uA
http://www.youtube.com/watch?v=vLDROI206lw
http://www.youtube.com/watch?v=aLQ1wSbc_xY
http://www.youtube.com/watch?v=Snn6YixcU4U

Lembremos: a evolução só é possível graças às diferenças.

Arlindo G. Nicolau,
Webdesigner e Artista Plástico. Estudou Artes Plásticas e Pedagogia na Unicamp. Colaborador do Espaço Cultural Barros Junior e da ÁPC Art em eventos, propostas e temáticas.

(publicado no Jornal "Clave do Som" / atual "ExpressArte" - edição número 3 - Outubro de 2009 - Salto/SP)



Fórum Permanente de Cultura, Conferência Municipal de Cultura e Pontos de Cultura.

Salto sempre foi conhecida como uma cidade produtora de Artes e Artistas. Essa característica é, em grande parte, uma extensão de seu processo de formação histórica, social e, logicamente, artística.
Neste artigo será abordada essa temática e o que ela representa enquanto contribuição para o desenvolvimento da cidade, do estado, da nação.
Atualmente a cidade passa por um período que demonstra ser promissor enquanto “continuador” desse já “valor”. Temos, para participação livre de toda a cidade, o Fórum Permanente de Cultura, que acontece em várias reuniões mensais no Espaço Cultural Barros Junior, com presença de pessoas ligadas aos setores artísticos, empresariais, educacionais, filantrópicos, entre outros. Uma realização concreta desse Fórum – onde se procura discutir e programar ações na esfera cultural da cidade – foi a realização da 1ª Conferência Municipal de Cultura. Nessa Conferência o que se discutiu foi a importância da Arte, da Educação, da Economia Criativa, da Gestão dos Recursos Públicos, das formas de valorização artística e profissional dos setores envolvidos diretamente com a chamada CULTURA. Ora, Cultura não é somente o fazer artístico de um povo; é, antes de tudo – tomando-se o exemplo etimológico da palavra, ou seja, a raiz do seu significado – o ATO DE CULTIVAR. Cultivar valores, cultivar a memória, cultivar a educação, cultivar a história, cultivar... e então: zelar, promover, inventar, criar, programar...
Na Conferência, que ocorreu nos dias 23 e 24 de Outubro deste ano, teve-se a possibilidade primeira de travarem-se diálogos e buscar e propor soluções e alternativas ao que ainda não está de todo perfeito no tocante ao fazer artístico na cidade. Essa Conferência ocorreu ainda em outras 317 cidades do estado de São Paulo e também em quase todo o Brasil. Sempre, no que se pode conferir nas realizações das Conferências, o que ocorre é que parte da população que trabalha diretamente com Arte participa, mas, mas, mas, grande parte sequer envolve-se no diálogo! Isso é triste, pois se o artista deseja que “algo mude” por que ele próprio não o faz? Será que o processo histórico turbulento brasileiro e o fato de sermos um país chamado periférico criaram uma síndrome de “não dá certo”? Ora, o país teve um processo de desenvolvimento turbulento sim, mas por que não “arregaçar as mangas” e proporcionar ao país (a nós mesmos) a dignidade, respeito e grande, efetiva e positiva consideração que são merecidos e devidos? Fazemos o futuro através do nosso presente – se houve erros no passado, que isso sirva como experiência, ou seja, que sirva de lição, de aprendizado, de transformação...
Mas, retornando para o momento semi-presente: na Conferência o que também se viu foram grupos de artistas que realmente fazem Arte e chamam para si a responsabilidade. Grupos esses que formularam sugestões, que comprometeram-se com o SEU FAZER e que provam que Salto é sim, uma cidade de artistas. Aliás, a cidade é mais bem conhecida em outros lugares em que tive a oportunidade de estar – em razão da Conferência – como um “Celeiro de Artistas”.
Um dos lugares foi a Secretaria de Estado da Cultura onde, mais uma vez, Salto ficou bem representada: ela teve 3 de 4 projetos aprovados para serem Pontos de Cultura! Era inclusive grande a admiração – porém não parecia muita surpresa – das pessoas de outras cidades que foram no dia da divulgação dos novos 300 Pontos de Cultura do estado de São Paulo. Algumas, quando perguntavam-me de onde eu era, e eu respondia que era de Salto, cumprimentavam com os olhos brilhando pelo fato da cidade ter vários projetos aprovados sendo uma cidade tão pouco populosa. Bem citou Silmar Oliveira, maestro saltense, que faz também parte de uma das entidades dos projetos aprovados:
“Mas veja só que conta mais bonita:
Dos 300 pontos contemplados em todo o estado de São Paulo, 3 são saltenses, ou seja, 1% (um porcento)!
Que privilégio para nossa população, que representa aproximadamente 0,005% do total de habitantes do estado.
Parabéns não só à população saltense mas a toda a região, que irá colaborar e usufruir desses novos "pontos de cultura".”
in: http://culturasalto.blogspot.com/2009/11/habemus-pontos.html#comments
Mas o que vem a ser um Ponto de Cultura? Ponto de Cultura é um espaço onde já ocorre manifestações artísticas várias. É um local, por exemplo, onde existe uma singularidade importante na área cultural, um lugar onde há o fazer artístico e a vontade de continuar esse trabalho. Ponto de Cultura é uma área de manifestação artística popular em muitos casos formada por remanescentes de tradições antigas e quase esquecidas ou escondidas e que precisam ser DESESCONDIDAS (sim – palavra nova – criada pelo idealizador do programa Cultura Viva que abrange a ideia dos Pontos, Célio Turino). Célio Turino é Secretário de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura e esteve na Conferência de Salto; registre-se: presença importante. Sua presença foi possível graças ao empenho de participantes do Fórum Permanente de Cultura de Salto. Nas reuniões do Fórum, que tem participação dos setores civis e público da cidade, são realizadas ações efetivas que procuram auxiliar os artistas, e consequentemente, o desenvolvimento da cidade. Outra pessoa de destaque presente na Conferência foi Carla Carusi Dozzi, então coordenadora dos Pontos de Cultura do Ministério da Cultura na regional do estado de São Paulo.
Após essa edição municipal ocorreu a Conferência Estadual de Cultura, que no estado de São Paulo, também foi a 1ª edição. Salto teve 4 delegados (fui um deles) – que são as pessoas que representavam o município e que estiveram no Memorial da América Latina em 26 de Novembro participando dos eixos temáticos, semelhantes aos que tivemos na cidade. Nessa ocasião um dos representantes (delegados) eleitos do estado para a 2ª Conferência Nacional de Cultura – que será realizada em Março de 2010, em Brasília – é Marcos Pardim, produtor e agente cultural, que representa também os Pontos de Cultura de Salto e o Pontão de Cultura de Itu, a Fasam.
Cultura, em Salto, então está ocorrendo de diversas formas e, na parte de troca de ideias e ideais a cidade conta com o Fórum Permanente de Cultura com suas reuniões sempre abertas a todas as pessoas interessadas em Cultura, na cidade. Por vezes também pessoas de outras cidades também participam das reuniões. Este artigo é ainda um convite para que mais e mais pessoas participem efetivamente desse processo que está ocorrendo na cidade. Não devemos somente esperar ou reclamar: devemos agir! Muitos agiram na Conferência, muitos agem com suas apresentações artísticas, muitos agem com suas obras, mas muitos, no entanto, agem solitariamente apenas – deveriam agir solidariamente. Devemos e podemos ser a transformação que queremos. Não é mero discurso, ou mero desejo. É possibilidade concreta.

Pontos de Cultura de Salto:
► Associação Cultural Corporação Musical Saltense
Ponto de Cultura - Espaço Cultural Barros Junior
► Associação de Formação Infanto Juvenil Múltipla - @FIM
Anselminhos - Pagadores de Promessas
► Corpo de Baile Cidade de Salto
Caminhos da Dança

Na região, também entre os 300 projetos selecionados:
www.bolhadesabao.org.br - Indaiatuba
► União Negra de Itu (UNEI) - Itu

Para mais informações sobre os assuntos tratados neste artigo:
www.culturasalto.blogspot.com - Blog sobre Cultura em Salto;
www.conferenciamunicipaldeculturasalto.blogspot.com - Blog sobre a Conferência de Salto;
www.twitter.com/CulturaSalto - Twitter sobre Cultura em Salto;
http://groups.google.com.br/group/cultura-salto - Grupo sobre Cultura em Salto;
www.barrosjunior.org.br - Site de um dos Pontos de Cultura de Salto;
www.fasam.org.br - Site do Pontão de Cultura de Itu.
Fórum Permanente de Cultura de Salto: Rua Dr. Barros Junior, 397 – Centro – Salto/SP – reunião de encerramento do ano, com confraternização, em 07 de Dezembro de 2009, Segunda-feira, 19h00. As reuniões são sempre abertas.

Nota sobre a edição de Setembro, no artigo “Música, Dança e Acessibilidade – Cegos e Surdos.” – onde está: “Neste ano de 2009 comemora-se então 170 anos da criação e utilização do “Sistema Braille de leitura e escrita para Cegos”., o correto é: Neste ano de 2009 comemora-se então 180 anos da criação e utilização do “Sistema Braille de leitura e escrita para Cegos”.

(publicado no Jornal "ExpressArte" / antes denominado "Clave do Som" - edição número 5 - Dezembro de 2009 - Salto/SP)


Mozarts Assassinados - lembrando Antoine de Saint-Exupéry em seu livro “Terra dos Homens”.

Sempre procuram alguns dizer que Arte e Cultura são somente bibelôs – ou seja, enfeites “bonitinhos” e cativantes - na existência humana. Será? O que são os Artistas; o que são as Pessoas?
Antoine de Saint-Exupéry foi um aviador-escritor que fez, entre tantos feitos, grandes obras-primas como “O Pequeno Príncipe” e “Terra dos Homens” - neste segundo ele nos falará, no finalzinho do livro, sobre os “Mozarts assassinados”.
Discorre, o grande escritor, sobre a singeleza de uma criança que ele viu num trem em viagem pela Europa. Eram as pessoas presentes nesse trem, em grande parte, migrantes em busca de melhores condições de vida, de trabalho; e que no entanto, após terem servido por algum tempo numa região, tinham que novamente migrar para outros locais, ou tentar uma volta para a antiga pátria. As pessoas mais velhas, e incluíam-se os pais dessa criança, não tinham mais as formas belas e cheias de vida como as da criança. E, essa mesma criança, que o escritor compara a um Mozart em potencial, passaria pela “máquina de entortar homens” - ou seja, pelos dissabores de uma vida sem grandes realizações pessoais - servindo a criança unicamente de mais uma peça da grande engrenagem desumana que a sobrevivência do mais forte impõe.
Isso seria de algum modo modificado pela Arte e Cultura? Isso é um ponto que o autor irá citar sutilmente através da comparação da criança com Mozart: todos os seres podem ser Mozarts (e essa é a comparação que ele faz - e ao invés de Mozart poderia ser qualquer outro artista, erudito ou popular). E, se todos podem ser Mozarts, por que, de fato, isso não se concretiza? Por que são assassinados?
Vive-se numa máquina que procura tirar a capacidade criativa dos homens. Uma pessoa pensante e criativa nem sempre é vista como útil - pois ela não “se adéqua ao sistema”. Com o questionamento e com a criatividade aumentados, o homem sempre ficará mais atento ao que lhe acontece.
Provoco: não é interessante então que o homem tenha seu lugar ao sol da Cultura (não é?). Se isso for buscado corre-se o “risco” de se criar uma sociedade mais e mais lúcida (luz) e autônoma. Uma das formas de controle sutil é simplesmente negar o direito de Arte e Cultura; e isso, como escrito, é sutil: coloca-se uma condição que seja “oficiosa” de planejamento cultural mas que em verdade é para procurar subordinar a vontade popular a uma vontade direcionadora e restritiva. Todos os dias os Mozarts são assassinados pela não abertura de frentes culturais e outras.
Voltando ao texto do livro “Terra dos Homens” o autor cita o exemplo de uma roseira: quando se encontra uma nova com características sublimes o que se faz? O jardineiro procura cercá-la de todos os cuidados para que ela produza novas e belas rosas. Mas por que com os homens isso não ocorre?
Naquele vagão de trem em que ele está, ao contemplar a face da criança (e nós podemos imaginar isso), o autor fica indignado ao constatar que a humanidade cria sua própria maneira de transformar homens em barro - a vida que existe dentro de cada um, o sopro divino - ficou aprisionado nessa massa cada vez mais feia.
A roseira, cultivada (Cultura), é mais importante que as pessoas? Não deveriam ter as pessoas as mesmas condições de desenvolvimento?
Sejamos artistas, e, mais ainda, sejamos ativistas de Cultura. Façamos com que o barro que guarda o sopro vital possa ser remodelado e torne-se o que ele tinha em Potência quando feito o Ato de sua criação: seja verdadeiro artista, seja verdadeiro humano, dotado em sua essência da divindade que o fez. Não criemos uma sociedade de autômatos (ou seja, sem discernimento próprio); criemos uma sociedade em que as pessoas cultivem-se enquanto artistas e ativistas.
Nem todos serão artistas e, o que deve ficar compreendido, é que o que se perde todos os dias são os Mozarts enquanto capacidade de enobrecimento da humanidade. Toda profissão, toda ocupação é digna e necessária. Todos somos Mozarts; todos somos, em algum grau, pessoas que têm em sua essência a qualidade positiva incentivada ou destruída pelas circunstâncias e por nós mesmos. Fiquemos, no entanto, atentos e cientes que a contribuição cultural provém de nós mesmos. Não destruamos os Mozarts que nascem todos os dias; e, os que conseguirmos resgatar, resgatemos. A Arte e Cultura podem contribuir - mas sejamos atentos e responsáveis.

"Só o Espírito, soprando sobre a argila, pode criar o Homem." - Antoine de Saint-Exupéry

(publicado em: http://www.otrampolim.com.br/ler_noticia_colunista.php?catn=3&uid=127 - 05 de Janeiro de 2010 - Salto/SP)

Nenhum comentário: